Residência médica nos EUA: cada história no USMLE é única

“Mas pra quem tem pensamento forte, o impossível é só questão de opinião. E disso os loucos sabem, só os loucos sabem”Chorão, Charlie Brown Jr.

O ano era 2009 quando passamos a ouvir a voz do Charlie Brown Jr. repetir essas palavras. Eu preciso confessar. Cantei e ouvi essa letra por muito tempo pela mera repetição da melodia, sem de fato apreciar o tanto que ela nos diz. É que nos custa a coragem de arriscar viver os sonhos ditos impossíveis para realmente entender a loucura que precede a realização.

Eu lembro onde estava sentada, a hora do dia, a forma como o céu do Rio de Janeiro se despedia do dia na penumbra do entardecer. O e-mail com a nota do Step 1 chegou acompanhado da mistura de coragem, ansiedade e medo que tanto disputaram meus pensamentos naquelas três semanas de espera. A verdade é que nós, médicos e estudantes de medicina, temos um relacionamento conturbado com a percepção da falha. Difícil, a meu ver, entender as raízes do sentimento. Muitas possíveis associações sem força estatística para definir relação causal.

Será consequência de sermos, muitas vezes desde cedo, alunos comprometidos e que se destacam e isso nos levar a uma eterna sensação de invencibilidade? Será apenas o orgulho puro e simples (e complexo) que gostamos de apelidar de diferentes nomes para que possamos ignorar sua existência? Será a angústia quase sempre camuflada de que ao escolher o ofício de tomar decisões na tênue linha entre a vida e a morte não nos caberia a licença poética da falha? Não foi nenhuma dessas perguntas, no entanto, o que ocupou meus pensamentos naquela hora, olhando para aquela nota que não refletia meu esforço.

Foi medo. Foi sensação de fracasso. Foi a certeza de ter falhado sem entender o porquê. Achei meu consolo imediato nas falácias do impossível. 

Verdade seja dita, em muitas situações nas nossas vidas (é a essas que esse texto se refere) o impossível é a desculpa que cabe no limitado espaço da nossa coragem que não foi tomado pelo medo. Isso porque “o medo cega os nossos sonhos, o medo cega os nossos sonhos”, como o Charlie Brown tantos nos alertou. Se o que a gente deseja é uma grande realização, se o caminho que queremos trilhar não foi trilhado daquela forma e sob as mesmas exatas circunstâncias, se ousamos sonhar esticando os limites do nosso conforto, nós travaremos sim uma batalha com o medo. E nela, a melhor vitória é seguir apesar dele. Deixar que ele siga nossos sonhos sem os cegar, sem os alcançar. Que ele seja passageiro, mas não condutor. Que ele só se acostume mesmo, a passar. 

O impossível é a desculpa que cabe no limitado espaço da nossa coragem que não foi tomado pelo medo.

E se ele passar, e se você continuar, os obstáculos terão apenas sido partes do caminho, porque nenhum caminho é linear. Para a estudante do quinto ano de medicina aquela nota não foi meio, foi fim. Para a aluna de PhD não receber respostas das várias tentativas de contato para fazer pesquisa nos EUA não foi meio, foi fim. Para a research Fellow, que tinha pouco meses para defender o doutorado no Brasil, os vários experimentos no laboratório com os quais ela dividia o tempo não foram meio, foram fim. Para a mulher que sonhou acompanhada, aprender a continuar sonhando sozinha não foi meio, foi fim. Para a aplicante que sonhou com uma aplicação perfeita, aplicar sem STEP 2CK não foi meio, foi fim. 

Mas foi tudo meio. Fez parte. Se tornou caminho. Nada foi fim, mas para muitos foi loucura.

Que esbravejem os donos da verdade, mas em um processo como o do USMLE, com passos definidos o suficiente para serem trilhados com autonomia, fundamentado na avaliação multifatorial dos candidatos, e onde o sucesso depende acima de tudo de resiliência (o que para mim, a música chamou de pensamento forte), o impossível é questão de opinião. Não, não acredite em promessas fáceis, em receitas prontas.

Não, não acredite em promessas fáceis, em receitas prontas, ou em quem te oferece reinventar um método por anos já estabelecido.

Nem todos passarão de primeira, os caminhos não serão lineares, para alguns custará um investimento de tempo, dinheiro e energia maior que outros e as pessoas tem, sim, o direito de decidir o fardo de investimentos que lhes cabe. Isso define caminhos, não pessoas. Na minha história coube seguir, redefinir estrategias e limites, decidir por ser médica nos Estados Unidos “over and over again”. Não se trata do que é impossível, é sobre quais “loucuras” te serão possíveis.

De resto, deixe que digam, que pensem, que falem das suas loucuras.

É bom, porque “Impossible is nothing”. Mas disso os loucos sabem. Só os loucos sabem.

Picture of Escrito por Thais Peclat

Escrito por Thais Peclat

Thais é médica e PhD pela UFRJ, e residente de anestesia na Mayo Clinic. Faz parte do time Jornada e tem uma história inspiradora.

Picture of Escrito por Thais Peclat

Escrito por Thais Peclat

Thais é médica e PhD pela UFRJ, e residente de anestesia na Mayo Clinic. Faz parte do time Jornada e tem uma história inspiradora.

Leia também...

Inscreva-se em nossa newsletter

Faça parte do time!
Onde Medicina nos Estados Unidos, Revalidação e Inglês Médico se encontram.

Descubra como se tornar médico nos Estados Unidos 🇺🇸

Aprenda com quem já trilhou esse caminho para chegar lá da forma mais rápida possível.

Copyright © 2024 Comunidade Scrubs | All Rights Reserved